segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Resposta ao Sergio Rodrigues no Todoprosa em respeito a sua resenha de "O habitante irreal"


Bem,

1. Fui eu que mandei o comentário do Antonio Marcos

1.1. Não quero me justificar (e foi a razão de não ter insistido na troca de emails) pois realmente o blog é seu e como algumas pessoas me lembraram não posso exigir nada e se recebi a resposta que recebi, que obviamente me deixou irritado, i brought it on to myself, nada a que reclamar então. Se alguma vez portanto no que segue parecer que falo dessas "fofocas" não foi minha intenção. Melhor esquecer do que fazer isso crescer mais ainda.

2. Vamos ao que importa, então, que são as duas grandes questões que foram levantadas durante esses momentos de "irresponsabilidades" (minha, do Antonio Marcos e sua) mas que são duas questões que acho que calhem começar num debate civilizado.

2.1. A primeira questão é sobre a maturidade da literatura brasileira

2.1.1. Quanto a isso eu, pessoalmente prefiro me abster no momento já que esse nunca foi o meu problema com o seu texto (como comentei com algumas pessoas, o problema não é ter sido Paulo Scott, podia ter sido Ricardo Lísias, podia ter sido Daniel Galera, podia ter sido João Paulo Cuenca, enfim). Acho que a resposta a essa questão, se a literatura brasileira está amadurecendo ou não, tem munição bastante para os dois lados, e como eu não estou nem a fim de me meter NESSA discussão específica momento, pois como disse, não foi ela meu problema com o texto e nem me vejo capacitado para avaliar a qualidade do livro mencionado do Paulo Scott deixarei esse ponto para quem está mais disposto. Acho que o Charbel faz bem esse papel de se ocupar nesse ponto no comentário dele aqui.

2.2. A segunda questão, que é o qeu me interessa, é o papel que a crítica tem/deveria ter no campo literário.

2.2.1. O problema que eu tive com o seu texto, Sérgio, e com alguns outros que você escreveu já (como o texto contra o Rubens Figueiredo, por exemplo, para um exemplo recente) é que, independetemente do conteúdo resenhado (e acho que por essa razão não se pode usar o argumento "fulano não leu o livro de beltrano") o que encontrei na sua resenha de "O habitante irreal" foram algumas afirmações a cerca do livro (e levadas adiante para afirmações sobre a literatura brasileira contemporânea) que ficaram sem justificativas. E esse é o meu problema, que a sua resenha se ponha como tentativa de levantar um debate crítico mas que (ao meu ver) não sustenta em nenhum momento as afirmações que faz, não as justifica.

2.2.1.1. Eu sei que os termos crítica literária e resenha as vezes tem gente qeu os distingue mas para os fins aqui eles são sinônimos. E o que eles significam para mim nesse contexto é que uma resenha e uma crítica literária são tentativas de elaborar um para texto a partir de um texto inicial que inclua um juízo valorativo mas que apesar desse juízo valorativo não ser um juízo universal (desculpe o Kantismo, é que sou da filosofia) ele se porá como um juízo que se pretende universal. Portanto quando faço uma resenha e afirmo x e y do livro, ainda que de fato esse x e y não possam ser categoricamente afirmados no meu juízo a uma pretensão a esse universalismo, pretensão que se veria "justificada" através  de um exercício
textual que tentaria evidenciar a validade de tais juízos. Simplificando a resenha/crítica seria um texto que diria algo de um texto original (sem o qual ela não sobrevive) e que tenta sustentar em suas argumentações a validade das suas afirmações (valorativas). Obviamente isso pode ser expandido, essa definição, mas partamos dessa ponto mais elementar que é o juízo valorativo (pretensamente) justificado.

2.2.2. Vamos a leitura

2.2.2.1. Quando leio o seu texto o primeiro parágrafo fala sobre a ausência de debate real sobre a literatura contemporânea nacional a partir da constatação que vivemos num ambiente onde não se "discute", não se tenta pensar, de realizar um debate crítico de fato (penso no 2.2.1.1.) mas apenas se diz "amém" ou "que o diabo o carregue": "infelizmente para “Habitante irreal”, não há debate algum. Atolada num ambiente besta que se assemelha a uma guerrinha entre fiéis e infiéis (existe ou não existe, é divina ou é uma fraude, vamos à missa ou não vamos?)" e devo dizer que quando comecei a ler eu concordei, não sobre a questão de ser um livraço ou não (não tenho como afirmar, não o li), mas sobre o ambiente muitas vezes ser reduzido a afirmações valorativas e definitivas sem o suporte textual que pelo menos faça o caso delas. Comecei, portanto, esperando que o que viria a seguir seria um exercício de mostrar como e porque o "O habitante irreal" é um livraço.

2.2.2.2. Quanto ao segundo parágrafo também não há muito o que se dizer fora que há alguns elogios mais específicos, mas ainda, vazios, vazios não porque sem sentidos, mas por estarem carentes de uma justificativa que concretize suas abstrações. Serio, diz portanto coisas como "não houve guinada no caminho (...) O que houve foi crescimento, amadurecimento, consideração honesta dos limites e potencialidades da arte em face de toda essa confusão que a ultrapassa e que se costuma chamar, à falta de palavra melhor, de vida." Obviamente eu tenho certas encrencas com o uso da palavra "real" negativamente a seguir em contraposição a "vida mesma", mas enfim, isso são outras questões, isso seria par discussão "o que é a literatura e qual o seu papel?" masindependentemente disso a questão é que esses elogios ainda estão vazios de sentido. Coisas como "crescimento", "amadurecimento", "consideração honesta dos limites e potencialidades da arte" são elogios que com a sua vagueza só podem serem compreendidos de fato (e não apenas aceitos) quando o crítico se põe a fundamenta-los. Isso não ocorre ainda nesse parágrafo mas isso não é um problema já que a resenha não acaba aí.

2.2.2.3. No terceiro parágrafo temos um breve resumo da primeira parte do livro e no segundo momento o Sérgio dá a primeira tentativa de justificar os seus juízos. Diz ele que "O maior mérito da primeira metade do romance é a voz crível de Paulo, filtrada por um narrador em terceira pessoa que pouco descola dele". Me pergunto duas coisas:

2.2.2.3.1. Primeiro como é que vamos julgar esse crível? Esse crível para o Sérgio pode ser muito distante do crível para mim, logo a unica alternativa que me parece ser possível para tentar resolver esse impasse (que me parece de fato insolúvel, mas precisa de uma solução prática) é uma amostra dessa "voz crível", coisa que não acontece, o resenhista não mostra.

2.2.2.3.2. A segunda questão seria se é possível dizer que "voz crível" é argumento suficiente para sucitar todos esses adjetivos grandiloquentes?

2.2.2.3.3. Enfim, não me parece que esse argumento seja usado como sustentação principal do seu juízo, mas sim como um dos elementos que compõem o livro e que atestariam a sua qualidade, mas que não me parece com o elemento que, e aqui digo eu, demonstrariam que esse livro é capaz de literatura brasileira de sua irrelevância

2.2.2.4. No parágrafo seguinte o autor faz justamente aquilo que me pareceu. Diz ele que "Não seria pouco, mas o que faz de “Habitante irreal” um livro excepcional é o salto mortal que vem em seguida. Certamente o que vem agora seria aquele argumento que para o seu leitor. Vamos então a esse argumento:

2.2.2.4.1. O Sergio rodrigues começa explicando que no livro aquilo que se mostrara simples é na verdade complexo ("Arrastados por um mecanismo mais complexo do que o início sugeria, abandonamos Paulo num autodestrutivo exílio londrino para mapear, entre diversos pontos de vista, as consequências da bagunça que ele deixou para trás ao fugir.").

2.2.2.4.2. Em seguida diz que o autor consegue, numa análise que ele não vai fazer no momento (que no presente post ele explica brevemente o que seria essa análise), que o romance "se expande entao para fora e ao mesmo tempo para dentro" e que nessa expansão e contração "revela-se um espelho político-social de impasses coletivos e, no caminho oposto, um objeto que se quer tão xamânico quanto a bizarra máscara construída por Donato, o "índio mais não índio do qual já se teve notícia".

2.2.2.4.3. Me parece no primeiro momento que há dois movimentos aqui que são a razão do livro ser um livraço. O fato dele revelar que tudo aquilo que era simples na verdade é complexo. O que pode até é um argumento, mas nada que dê fôlego pra as afirmações finais do autor. E o fato de o livro se expande e contrai. O meu primeiro problema é tentar entender o que isso quer dizer e de que maneira isso engloba mito e história. Isso, que seria a chave para o "salto" que transforam o livro em excepcional fica vazio. Outro ponto que também me parece prejudicial é justamente por que o "cruel espelho político-social de impasses coletivos" e a sua contraposição "que é um objeto que "se quer tão xamânico quanto a bizarra máscara construída por Donato". Eu não sei, posso estar errado pois eu, pessoalmente, achei muito confuso esse parágrafo (provavelmente pois não li o livro), mas me parece que a razão do livro ter sido tão elogiado é por ele ter justamente revelado algo que o Sergio menciona no inicio da resenha, que "Escolhas que, pensadas ou impulsivas, têm consequências. Consequências que, no balanço coletivo das vidas, moldam, entre outras coisas, a cara de um país." Ou seja, a questão é que o livro tem o seu valor não pelo que ele faz  mas pelo "o que ele fala", pelo seu conteúdo. Obviamente alguém pode vir dizer que é idiota ignorar o conteúdo mas bem, aí é outra questão que pode e deve ser discutida (como disse "o que é literatura e qual é o seu papel?"). Não é que o conteúdo deva ser ignorado, mas é a forma que faz o conteúdo e que lhe dá o valor, independente do que ele seria. É o romance, o poema, o conto que me revela que aquele conteúdo/história tem valor e não o inverso. Pelo menos é assim que penso e entendo que esse é o ponto "fraco" da minha "crítica à crítica". Se discordarem desse ponto obviamente não há por que dar valor ao que falo. No entanto, se aceitarem o valor do conteúdo por si só, fica difícil não aceitar o que vem com isso, que é todos aqueles livros que tratam de "temas bonitos" independentemente da sua qualidade. Obviamente eu gosto de acreditar que é possível que isso possa haver nesse livro do Paulo Scott (uma forma que convoque o tema), mas a questão é que simplesmente isso não aparece na resenha, não me apareceu essa justificativa nesse trecho que comentei, trecho que, me parece, o centro, a principal justificativa para a resenha do Sérgio.

2.2.2.5. Por fim há um parágrafo final onde o autor minimiza alguns defeitos ocasionais do autor - o que não tem problema, já que certamente não parecem ser defeitos que estragariam a experiencia do livro. E de novo as afirmações de que esse livro é um livraço. Que "Habitante irreal” reforça a impressão de que a literatura brasileira está entrando numa fase qualitativamente madura após a explosão quantitativa da última década." e que "depois dele fica mais difícil negar que quem insiste na tecla da nossa “irrelevância” literária é ruim da cabeça ou doente do pé."

2.2.3. Obviamente há justificativas e argumentações nessa resenha, há tentativas de "sustentar" as suas afirmações, mas o problema é que essas justificativas não me convenceram (e só posso falar por mim) da sua ligação com juízos tão grandiloquentes como "a literatura brasileira contemporânea corre o risco de nem se dar conta de que acaba de ganhar um livraço." ou como o tipo de livro que "depois dele fica mais difícil negar que quem insiste na tecla da nossa “irrelevância” literária é ruim da cabeça ou doente do pé.". Enfim, são afirmações fortes, pesadas e para isso requerem justificativas mais contundentes. Certamente "o ambiente, como foi dito, não ajuda.", mas é precisot também que aqueles que resolvam falar do livro falem dele de forma a ajudar.

2.2.4. Um post scriptum : A razão disso ser um problema, dessa "ausência de sustentação" que venho martelando tanto, talvez seja boba, talvez parta de uma ingenuidade minha, de um velho apego à "metafísica da presença" como um amigo me diz tantas vezes. Eu realmente acredito (e isso de maneira arbitraríssima, provavelmente) que se o espaço da crítica no campo literário tem uma responsabilidade (seja de julgar, liberar sentidos, fazer ajustes sociológicos, pensar idéias, enfim, que seja) é que deve haver uma responsabilidade (muito maior do que a minha, por exemplo, que não ocupo esse espaço no momento, ou de outras tantas pessaos que vem aqui comentar e que comentam só um "ahahahah que ruim, você num sabe nada" ou "ahahuahauhau adorei tou te seguindo") com o que se fala. Você tem um espaço privilegiado que o faz a sua voz chegar muito mais longe que a minha, por exemplo, ou a do Antonio Marcos. Obviamente você tem todo o mérito de ter chegado onde chegou (e eu mesmo gosto de coisas que vocÊ escreve, acho que mereceu o espaço) mas eu acredito, de novo, que existe uma espécie de ética, um dever, por se suportar um espaço público (ainda que seja na prática um espaço privado, que a veja te cede, que pague para você usa-lo para certos fins - quando falo de espaço público quero simplesmente dizer que você é escutado, que as pessoas te escutam) - o que não quer dizer uqe deve-se transforma-lo em uma tarefa onerosa, como ser síndico de condomínio, não é isso. Essa ética, esse dever é simples. São basicamente duas coisas:

2.2.4.1. Justificar todos os passos, não fazer comentários infundados e/ou disparatados

2.2.4.2. E estar aberto a críticas (quando feitos de forma justa, como eu espero que essa tenha sido construída), com respostas que não esperamos ouvir mas que tem em todo o seu mérito, todo um caminho que pode, inclusive, mostrar que tudo o que dissemos estava equivocado (obviamente esse é um caso extremo de crítica bem feita somado a um tipo zen, que a recebe, ausente de qualquer vaidade)

2.2.4.3. Adcionaria um terceiro ponto que é uma repetição do que foi dito acima. Não é em razão de uma pessoa não ter lido o livro 'x' que não podemos comentar o qeu a pessoa escreve sobre o livro x. É óbvio que não poderemos comentar o livro x, mas poderemos certamente ver como funciona a crítica dessa pessoa. Penso, por exemplo, como no momento que vou ler Auerbach. Obviamente não posso querer chegar e comentar um pingo sobre as zilhões de referências de literatura medievalistas que existem ali mas certamente posso olhar e ver a sua estratégia de abordar o texto, posso elogiar e aprender, mas posso também descobrir falhas (que dizem respeito ao Auerbach, e não ao texto abordado). Qual o valor disso, de ler crítica pela crítica? Bem, acho que tentar aprender a ler melhor, a ver mais, a experienciar mais, para quem sabe quando falar dos textos que eu quero, que me são importantes, que amo, eu possa lê-los um pouco melhor do que se nunca tivesse lido Auerbach, Antonio Candido, Edmund Wilson etc.

3. E como complemento, em relação ao texto acima o problema é que você fala que vai "tratar da questão séria" mas faz o mesmo erro que na oura, enuncia uma série de juízos ("o ultimo livro do fulano é o melhor livro dele") sem dar a razão deles. Ok, eu entendo, é algo trabalhoso, mas esses argumentos são "vazios" (no sentido que usei anteriormente em 2.2.2.2.) e não ajudam a levar nenhum debate a frente.

4. Enfim, espero que essa discussão possa se desenvolver, não só na caixa de comentários obviamente.

5. Aliás, posso até ter perdido meu tempo demais. Tenho certeza que vai ter gente que vai dizer: "seu idiota, crítica da crítica é besteira" mas enfim, não é isso, não se trata disso, isso é apenas uma tentativa de justificar a minha posição contrária a resenha, não pelo seu conteúdo e seus juízos finais, mas pela forma que ela faz isso, que, na minha opinião, carece do elemento fundamental de uma boa crítica.

5.1. Talvez eu esteja sendo chato, talvez esse não seja o espaço para isso, para essa "justificação", mas enfim, como eu disse, gosto de crer, talvez com toda a minha "metafísica da presença" que o crítico tem um papel, tem um dever que, alias não deveria ser restrito ao crítico, mas um dever que é, ao menos, justificar àquilo que diz, que não se pode simplesmente lançar para o alto aquilo que se quiser, mas que há e deve sempre haver responsabilidade naquilo que fazemos (e dizemos). Mas de novo, talvez eu seja apenas um velho idealista :)

Nenhum comentário:

Postar um comentário